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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O processo de criação da capa


Tenho um prazer enorme em criar capas de livro. Não que eu tenha desenhado muitas capas por aí, mas desenhar capa de livro sempre foi pra mim um trabalho bastante prazeroso. Compreender a ideia da obra, o conceito geral e rabiscar numa folha alguns elementos como o título, o nome do autor, as imagens, uma eventual editora e criar o clima da história do livro é um trabalho que faço com bastante calma, assim, apreciando cada etapa.


Bom, após alguns rabiscos, defini basicamente que queria uma capa limpa, apenas com os elementos imprescindíveis: título da série, personagens, definição do conceito da obra e título da história. Mesmo assim, achei melhor pesquisar algumas capas realmente especiais.


Entre elas, achei umas capas do Asterix que trabalham com elementos de sombra que estão fora do enquadramento e que ampliam o ambiente de percepção do leitor. A sombra cria um sentimento de mistério muito interessante sobre o enredo da obra, convidando o leitor a abrir o livro para identificar o elemento misterioso.


Como a ideia do livro é valorizar a história da cidade de Farroupilha, apresentei como ilustração principal os três imigrantes italianos se deparando com a sombra do Monumento ao Imigrante. Evidentemente, a cena nunca aconteceu. Os imigrantes chegaram em 1875 e o Monumento foi inaugurado em 1975, cem anos após a chegada. Mas, a ideia desta viagem no tempo é mesmo a essência da obra, ou seja, resgatar a história da cidade. Então, ao invés de colocar o monumento de forma explícita, apliquei apenas sua sombra sobre os três imigrantes, como se eles se deparassem com o monolito negro de Kubrick. A expressão dos personagens é de quem não tá entendendo nada, assim como o leitor. Mas assim que abre o livro, o leitor encontra uma foto do monumento e uma explicação sobre o problema temporal da capa. 

Monumento ao Centenário da Imigração Italiana em Nova Milano - Farroupilha (RS)

O resultado permanece sutil. E a ideia é essa mesmo: o leitor farroupilhense que se demorar um pouquinho mais na apreciação da capa vai perceber o código escondido na sombra e, automaticamente, vai fazer a ponte entre o pretérito perfeito e o pretérito mais que perfeito. Por sua vez, o leitor forasteiro não deve entender muita coisa. 

Rafes dos personagens da capa

Além disso, decidi que a capa deveria apresentar um leiaute que permita a troca do tema sem perder a característica de série. Então, previ algumas variações de cores para cada número.

Estudo de variações de cores para a capa

A ordem de leitura acontece de cima para baixo conforme a seta na imagem: o nome da série de livros é a primeira leitura, o tema da obra (personagens) é a segunda e o título da história, a terceira. Optei por elementos simples que não comprometem a identificação dos elementos.

Ordem de leitura da capa

Escolhi uma textura de papel antigo, manchado e maltratado pelo tempo e apliquei alguns filtros do Photoshop sobre a imagem até chegar neste conjunto de cores contrastantes (laranja, magenta e ciano) espalhadas nas margens da folha. A escolha do tom laranja contribui para o impacto da capa.

Por último, acrescentei um mapa da serra de 1897 com a divisão das colônias e das linhas. Apliquei o mapa em perspectiva para reforçar o chão onde os personagens estão situados uma vez que a ilustração dos imigrantes não possui cenário. O ambiente que reforça a perspectiva é composto pela sombra e pelo mapa em perspectiva. Como o mapa é antigo, combinou com os demais elementos da capa. 

Assim na Serra como no Céu

Amém!

Criei este nome como um título geral para a série de livros que estou desenvolvendo. No entanto, cada livro apresentará um título específico de acordo com o seu tema. Ok, confesso: como publicitário, não resisti em utilizar um trocadilho. Mas ele faz todo o sentido quando se conhece o conteúdo da obra e seus significados. A criação do título pode ser compreendida em três princípios.

Primeiro, a serra é onde ocorrem todos os eventos das histórias que criei e que ainda vou criar. Refiro-me a Farroupilha e à região onde moro. Assim, na minha ideia, a minha terra e o meu mundinho é a serra. Além disso, a obra pode alcançar leitores de toda a região, pois a chegada dos imigrantes é um tema comum a todas as cidades da serra.

Segundo, as histórias de Farroupilha envolvem, na sua maioria, aspectos religiosos em seu contexto e, por isso, o trocadilho com o trecho da oração.

Terceiro, a serra, este meu mundinho, representa o céu. Minha família vive aqui. Eu vivo aqui. Tenho belas paisagens, inúmeras cachoeiras, lasanha, vinho, polenta, radicci, galeto. Preciso dizer mais?
                                                           
Bem, acho que sim. Pesquisando, descobri que Farroupilha possui histórias interessantíssimas que estão quase escondidas em poucos livros e na memória das pessoas. Estão em causos contados pelos nossos pais e avós e que, se não forem registradas, vão desaparecer com o tempo. A essência desta obra é esta: registrar a memória histórica do município através dos quadrinhos.


Então desenvolvi uma marca e um padrão visual para que se perceba que os livros fazem parte de uma mesma coleção. A marca foi trabalhada à mão, com lápis macio para um traço falhado, resultando em um aspecto rústico. Combinei alguns filtros do Photoshop para escurecer as letras e para criar sombras e texturas. 

Luís Bugre

Antes dos italianos, os índios habitavam estas terras.

Lendo os vários livros sobre a imigração italiana, descobri um personagem fantástico. Sua história e contribuição à narrativa são um “achado” para qualquer roteirista. Revelando minha ignorância, não fazia a menor ideia que este sujeito existiu. A história dos imigrantes, principalmente das 3 famílias que chegaram em Nova Milano, está alicerçada na figura de um índio caingangue que serviu de guia para os italianos aqui na nossa região.

Chamado de Luís Bugre pelos italianos, o personagem escondia uma história triste e macabra em suas andanças pela região da imigração alemã. Pra história que eu construí, este é um subenredo que dá um tempero bem legal e cria amarras que permeiam os conflitos e auxiliam na apresentação do clímax da história.

Pesquisando na internet dá pra descobrir os trágicos acontecimentos que antecederam o encontro deste índio com os italianos. Por si só, este personagem já merecia um conto próprio. 

Rafe do personagem

Aqui começa a participação do personagem na história da imigração italiana.

Quadrinhos baseados em fatos históricos

O processo de uma construção de uma história baseada em fatos históricos envolve, primeiramente, a pesquisa de relatos sobre os acontecimentos. Pesquisei e li dezenas de livros. Facilitou muito a busca na biblioteca. Como professor universitário, tenho acesso a dezenas de fontes históricas que não se encontram na internet. Daí você lê uma cacetada de livros e quando percebe que os fatos começam a se repetir, chega a hora de começar a colocar no papel (ou no digital, mesmo).

Livros sobre a imigração italiana

Comecei com uma linha do tempo da imigração. Causas, fatos, consequência, lugares, pessoas, datas. Tudo organizado numa linha que orienta todo o pensamento. Depois, decidi que esta linha do tempo irá para o livro como material didático para compreender melhor os acontecimentos.

O passo seguinte é pensar em como contar a história. Pretendi abranger 30 anos: desde o início, incluindo as causas da imigração, até o estabelecimento das famílias italianas por aqui. Isso vai de 1870 a 1900. Pra não virar uma confusão, precisei eleger um personagem pelo qual o leitor vai acompanhar toda a saga. Pesquisei cada família: Sperafico, Radaelli e Crippa. Deveria escolher um deles e os outros seriam os personagens escada (aqueles em que os diálogos acontecem). Ah, tem que contar também as mulheres deles e seus filhos – acreditem, é um monte de gente! E aí? Devo apresentar todos? Esquecer a maioria e ficar só com um deles?

Para solucionar este impasse, precisei recorrer à teoria do roteiro cinematográfico e dos quadrinhos (que são muito parecidos).  Só para esclarecer: roteiro é o registro escrito onde constam as descrições das cenas, dos personagens e suas falas. Aí, pensando com a lógica do cinema e da narração de histórias, decidi que o conceito da história seria o que se chama de “jornada”.  Ou seja, o personagem principal vive em seu mundinho quando surge um incidente que muda a sua vida e o empurra para uma viagem ao desconhecido, buscando algo importante. Durante esta jornada, surgem vilões, companheiros, e muitos problemas. Assim, ao final da jornada, ele não é mais a mesma pessoa que começou a história. Às vezes eu penso se a jornada é do personagem ou minha: afinal, 52 páginas de quadrinhos não é mole roteirizar, leiautar, desenhar, finalizar, escanerizar, colocar os balões com os diálogos, colorir. Sem contar as outras histórias que aguardam início ainda. Ok, então escolhi o personagem que mais se adequava ao roteiro e fiz dele o personagem principal da história.

Outra coisa que se pensa quando se cria uma história deste tamanho são os subenredos. Contar a história somente de um ponto de vista em 52 páginas torna a leitura pouco atraente. Então, a história tem uma linha principal, cuja trama é conduzida através do personagem principal. E os subenredos “costuram” esta trama, ora gerando problemas, ora gerando diálogos, ora gerando acontecimentos paralelos. Um bom roteirista sabe fazer essa costura muito bem. Não sei se é o meu caso.

Roteiro Full Script

Esse modelo de roteiro é chamado de Full Script (Script completo), pois nele são apresentados a descrição do que aparece no quadrinho, os personagens participantes, as emoções, os diálogos de forma que o desenhista tenha uma ideia clara do que deve ser ilustrado.

Durante a construção do roteiro, eu adotei outra prática paralela que, por eu ser o escritor e o desenhista, me serviu muito bem no que se refere ao ritmo e a divisão de cenas. No cinema, esta etapa é chamada de storyboard, ou seja, cada cena do filme é desenhada em quadros, como se fosse um rascunho, para que o filme seja “visto” da mesma maneira por toda a equipe que vai filmá-lo. Assim, construí o roteiro e ao mesmo tempo elaborava um rafe (esboço) de cada página e podia, então, já visualizar como cada página se comportaria. Ou seja, o roteiro dependia dos rafes e os rafes dependiam do roteiro.

Rafe do roteiro: dá uma ideia de como ficará a página, o ritmo, tamanho das falas, personagens, etc.


Projeto Farroupilha em Quadrinhos

Ok, resolvi apresentar aqui no novo blog o processo de criação desta obra de contos gráficos que vem consumindo minhas férias, minha coluna e todos os tendões da mão direita. O projeto que criei trata de um livro em quadrinhos contando a memória histórica de Farroupilha, cidade onde nasci. Na verdade, tô pensando em 5 livros. Este será o primeiro, mas já tenho engatilhadas outras histórias para o segundo livro. Neste primeiro, eu apresento a chegada dos imigrantes italianosem Nova Milano (que fica em Farroupilha, diga-se de passagem!!!). Enfim, é a história da cidade (que ainda nem era cidade) entre 1870 e 1900. Os demais livros contarão histórias peculiares do município como o exorcismo em Caravaggio, a polêmica da origem da Igreja Matriz e da Igreja S. Vicente Mártir (aquela do bairro Sta Rita), a boneca do museu Moschetti, a origem do cinema e, claro, a continuação do primeiro livro, partindo de 1900 até a emancipação do município em 1934. Mas isso é assunto pra outro post.

No momento em que escrevo, estou finalizando a página 37 (de um total de 54) onde os imigrantes acabaram de chegar ao barracão de Nova Milano em 1875. Claro que a localidade não se chamava Nova Milano naquela época, mas Barracão, justamente por causa do barracão (lógico, né!). Bom, de qualquer forma, a história também inclui a origem (ou fundação???) de Nova Milano. 

Imigrante italiano fazendo o check in no barracão